sexta-feira, 4 de maio de 2012

Crítica: Crepúsculo (Twilight, 2008).

Só tem uma coisa melhor para os intelectuais do que tornar algo adorado pelas massas um grande motivo de chacota: O tempo, que pode provar que eles estavam certos desde o começo. Em Memórias, de Woody Allen, uma fã do diretor (é um filme extremamente existencialista) se diz representante intelectual e indaga o diretor sobre o desgosto dele para eles. Woody diz que não tem desgosto algum por eles, e ela sai de cena, intelectualmente indignada.

A ostentação desse meio de vida nunca foi tão repreendida quanto hoje em dia, então, o que dizem os intelectuais de esquerda e direita sobre o cinema antes do moderno virar o atual? Os de esquerda certamente tentam enxergar luz no fim do túnel, com um zoom óptico irritantemente moderno e apelativo; os da direita esnobam produtos que afinal de contas emergiram do nada para serem esnobados após chegarem ao mercado do homevideo. E quem não tem uma posição ideológica formada (99% do público) fica a deriva, órfãos do cinema velho, expostos a qualquer porcaria milionária estrangeira – estrangeira ou nacional, infelizmente é possível generalizar neste caso. Por mais desmistificador e cruel que possa parecer para a maioria, não há diferença entre as séries Harry Potter e Crepúsculo, séries prestes a ficarem esquecidas e voltar de onde um dia vieram.

Sinopse: Uma garota translúcida e com expressões de manequim é nova na cidade, e se envolve, por conta do destino com Edward Cullen, um garoto detentor das mesmas semelhanças. A única diferença é que ele é um vampiro translúcido mas que não tem medo de ficar bronzeado, afinal a única coisa que pode matá-lo é o desafeto de sua amada. Algo tocante, Nabokov não faria melhor. A Globo adaptaria isso a novela-teen Malhação. Howard Hawks pegaria essa história e faria uma comédia épica, eu pelo menos consigo enxergar algo assim muito facilmente, diria até obviamente. Gus Van Sant faria um drama trágico, realista e impiedoso quanto ao público, mas é um produto pop, os de alma feminina devem se identificar de corpo e alma, caso contrário, eu pergunto, a fim do que Crepúsculo precisaria existir?


Não ataco quem é ignorante, ataco quem sabe que é e continua sendo. O mesmo para quem é ingênuo. O mesmo para Crepúsculo.

A diretora Chaterine Hardwicke, acostumada a levar o universo adolescente em seus filmes a sério demais, leva esse a um grau de total e irremediável planificação da demência que dá gosto de ver – acho que estou encarnando Cullen no sentido mórbido da coisa. Digo irremediável (e diria novamente) porque, após o incidente inicial para o segundo ato do filme, nada mais se explica, nada mais tem esse desejo. A seriedade do início é interrompida por duas vertentes: O drama paternal rasteiro entre Bella (a manequim) e seu pai de atitudes típicas de um padrasto passional, e o arco dramático sonolento sobre a conciliação do amor entre os manequins. Só uma curiosidade: Há histórias que eu colecionava da Turma da Mônica um pouco mais interessantes. Um pouco...


Acima, acabei de explicar porque o meio de vida intelectual nunca foi tão repreendido quanto hoje em dia. Na verdade não apenas esse estilo, mas simplesmente o bom-senso acaba sendo ridicularizado em prol da diversão, da identificação barata com qualquer história de amor improvável e apelativa. Há gosto para tudo, nossas tataravós com certeza disseram isso antes de nós, mas naquela época era mais fácil. Não eram bombardeados com eventos, mas com filmes. Espero que um dia isso não se torne uma escassez, acho que não chegaremos a esse ponto – eu não acho, eu quero! Espero que aqueles adolescentes bitolados e tristemente alienados pela forte cultura “tenho tudo a qualquer hora” predominante um dia tenham boas lembranças douradoras, de preferência para seus netos. Cinema é identidade, seria injusto a arte ter o poder de ilustrar nas bilheterias um romance quase que irremediavelmente ingênuo como o escrito pela “escritora” Stephenie Meyer e não lembrar com orgulho “Quanto mais quente melhor” ou “Sai da frente”, clássicos heterogêneos de Billy Wilder e Mazzaropi. É que às vezes dá uma falta de esperança artística, uma nostalgia tão recompensadora de se abraçar... A qual nostalgia a futura geração vai ter orgulho de abraçar? Enquanto a questão fica no ar, Bram Stoker se revira furiosamente em seu túmulo.

Nota: 4.

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