Só tem uma coisa melhor para os intelectuais do que
tornar algo adorado pelas massas um grande motivo de chacota: O tempo, que pode
provar que eles estavam certos desde o começo. Em Memórias, de Woody Allen, uma
fã do diretor (é um filme extremamente existencialista) se diz representante
intelectual e indaga o diretor sobre o desgosto dele para eles. Woody diz que
não tem desgosto algum por eles, e ela sai de cena, intelectualmente indignada.
A ostentação desse meio de vida nunca foi tão repreendida
quanto hoje em dia, então, o que dizem os intelectuais de esquerda e direita
sobre o cinema antes do moderno virar o atual? Os de esquerda certamente tentam
enxergar luz no fim do túnel, com um zoom óptico irritantemente moderno e
apelativo; os da direita esnobam produtos que afinal de contas emergiram do
nada para serem esnobados após chegarem ao mercado do homevideo. E quem não tem
uma posição ideológica formada (99% do público) fica a deriva, órfãos do cinema
velho, expostos a qualquer porcaria milionária estrangeira – estrangeira ou
nacional, infelizmente é possível generalizar neste caso. Por mais
desmistificador e cruel que possa parecer para a maioria, não há diferença
entre as séries Harry Potter e Crepúsculo, séries prestes a ficarem esquecidas
e voltar de onde um dia vieram.
Sinopse: Uma garota translúcida e com expressões de
manequim é nova na cidade, e se envolve, por conta do destino com Edward
Cullen, um garoto detentor das mesmas semelhanças. A única diferença é que ele
é um vampiro translúcido mas que não tem medo de ficar bronzeado, afinal a
única coisa que pode matá-lo é o desafeto de sua amada. Algo tocante, Nabokov
não faria melhor. A Globo adaptaria isso a novela-teen Malhação. Howard Hawks
pegaria essa história e faria uma comédia épica, eu pelo menos consigo enxergar
algo assim muito facilmente, diria até obviamente. Gus Van Sant faria um drama
trágico, realista e impiedoso quanto ao público, mas é um produto pop, os de
alma feminina devem se identificar de corpo e alma, caso contrário, eu
pergunto, a fim do que Crepúsculo precisaria existir?
Não ataco quem é ignorante, ataco quem sabe que é e
continua sendo. O mesmo para quem é ingênuo. O mesmo para Crepúsculo.
A diretora Chaterine Hardwicke, acostumada a levar o
universo adolescente em seus filmes a sério demais, leva esse a um grau de
total e irremediável planificação da demência que dá gosto de ver – acho que
estou encarnando Cullen no sentido mórbido da coisa. Digo irremediável (e diria
novamente) porque, após o incidente inicial para o segundo ato do filme, nada
mais se explica, nada mais tem esse desejo. A seriedade do início é
interrompida por duas vertentes: O drama paternal rasteiro entre Bella (a
manequim) e seu pai de atitudes típicas de um padrasto passional, e o arco
dramático sonolento sobre a conciliação do amor entre os manequins. Só uma
curiosidade: Há histórias que eu colecionava da Turma da Mônica um pouco mais
interessantes. Um pouco...
Acima, acabei de explicar porque o meio de vida
intelectual nunca foi tão repreendido quanto hoje em dia. Na verdade não apenas
esse estilo, mas simplesmente o bom-senso acaba sendo ridicularizado em prol da
diversão, da identificação barata com qualquer história de amor improvável e
apelativa. Há gosto para tudo, nossas tataravós com certeza disseram isso antes
de nós, mas naquela época era mais fácil. Não eram bombardeados com eventos,
mas com filmes. Espero que um dia isso não se torne uma escassez, acho que não
chegaremos a esse ponto – eu não acho, eu quero! Espero que aqueles
adolescentes bitolados e tristemente alienados pela forte cultura “tenho tudo a
qualquer hora” predominante um dia tenham boas lembranças douradoras, de
preferência para seus netos. Cinema é identidade, seria injusto a arte ter o
poder de ilustrar nas bilheterias um romance quase que irremediavelmente
ingênuo como o escrito pela “escritora” Stephenie Meyer e não lembrar com
orgulho “Quanto mais quente melhor” ou “Sai da frente”, clássicos heterogêneos
de Billy Wilder e Mazzaropi. É que às vezes dá uma falta de esperança
artística, uma nostalgia tão recompensadora de se abraçar... A qual nostalgia a
futura geração vai ter orgulho de abraçar? Enquanto a questão fica no ar, Bram
Stoker se revira furiosamente em seu túmulo.
Nota: 4.
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