segunda-feira, 30 de julho de 2012

Análise - Trilogia Batman


Alguém ai se lembra da revista SET? Na edição de julho de 2008 (Grande época para a que já foi considerada a melhor revista de cinema do Brasil), os leitores foram presenteados com uma extensa e coerente matéria sobre O cavaleiro das trevas, trazendo curiosidades, entrevistas e muito material rico em informações. Ainda me lembro de quando a publicação chegou as minhas mãos e me encantou com um ineditismo que hoje todos já sabem sobre a obra, a atuação de Heath Ledger e o outro nível que o filme elevou as adaptações de quadrinhos dali em diante. Uma entrevista interessante aconteceu com Christopher Nolan para a SET daquele mês, e a indagação foi:
SET -Então, quando existe o diálogo entre Bruce Wayne (Christian Bale) e Lucius Fox (Morgan Freeman) sobre o novo uniforme de Batman ser a prova de gatos, não é uma referência a mulher-gato?


NOLAN -(Risos) Christian perguntou a mesma coisa para mim. Mas não, não tem nada disso. Foi apenas uma piada.
     Claro, uma piada... E talvez fosse para ser, pois para uma trilogia ser feita depende inteiramente da bilheteria. Nos idos de 2005, Batman Begins fez “só” 372 milhões de dólares. Na sequência, O cavaleiro das trevas fez pouco mais de 1 bilhão de dólares pelo mundo, um fenômeno pop de campanha viral global. O sinal verde estava oficialmente aceso, e mesmo com a morte de Ledger, em 2012 O cavaleiro das trevas ressurge estreou após tumultos ainda maiores e mais sérios: Uma sala de cinema pegou fogo no México, após um atirador ter feito várias vítimas na noite da pré-estreia do filme em um cinema americano.
     “A trilogia é amaldiçoada”, logo acusaram os inquietos. Seja como for, Christopher Nolan dedicou quase uma década realizando um verdadeiro deleite para os fãs da personagem ambientado no século XXI. Saem os Batmóveis fantasiosos de Tim Burton e entram uma máquina de guerra (Tumbler) e uma Batmoto armada até o motor. Os vilões caricaturais dos anos 80 não têm vez nesse novo universo de terrorismo, anarquia e socialismo, realidades e pretensões extremamente atuais. Gotham City é Nova York, São Paulo, Londres, Tóquio, uma cidade suja, moderna e cheia de violência que precisa de salvação, de um jeito ou de outro. A seguir, uma análise parte por parte da melhor trilogia de Hollywood desde O senhor dos anéis.
BATMAN BEGINS – Depois do (Óbvio) fracasso de Batman e Robin (1997), a Warner Bros. tentou recuperar a série e seu potencial chamando Darren Aronofsky (Cisne negro), Frank Miller (Spirit, outro fracasso justificável) e os irmãos Wachowski, de Matrix, mas foi através da mente e das mãos que escreveram o roteiro indicado ao Oscar de Amnésia que o personagem de Bob Kane tomaria contornos definitivos para uma geração inteira. O roteirista David Goyer, junto de Chris e Jonathan Nolan se propôs a introduzir Bruce Wayne em um gênesis rumo a alcançar o que ele havia nascido para ser: Um fruto distinto da violência, alguém incorruptível e maior do que uma força policial. O remake foi reverenciado pelo público, apesar das inseguranças da direção ainda limitada, e críticos mais conservadores não gostaram dessa visão realista tão distante da de Burton. Para se ter uma ideia, os equipamentos de Batman são baseados sem exceção em tecnologias militares existentes, incluindo a capa e a   armadura.
     O filme também ganhou notoriedade pelo peso de seu elenco (Michael Caine, Gary Oldman, Liam Nesson e Cillian Murphy, este último que inclusive fez teste para ser Bruce Wayne) e pelas influências da história no cinema, inspirada em O longo dia das bruxas Batman: Ano 1, clássicos dos quadrinhos. Há ainda a famosa perseguição, uma das melhores do cinema entre o Tumbler e a polícia de Gotham City. Um mundo real muito bem estabelecido em torno da mitologia do Cruzado de capa, que pela primeira vez faz o que se deve fazer, em vez de evitar o errado e preferir o certo em um blockbuster.

“Não é quem eu sou debaixo desta máscara que importa, mas o que eu faço que me define” – Batman.

BATMAN – O CAVALEIRO DAS TREVAS – E foi aqui que a trilogia ganhou respeito, ou melhor, impôs. Os irmãos Nolan pegaram o conceito de Batman Begins e jogaram tudo no lixo, reciclando algo muito superior: Uma pérola. Toda obra de ação queria ser essa sequência, ter essa essência, filmada em várias cenas com câmeras IMAX, com uma qualidade visual suprema, popularizando esse tipo de câmera um ano antes de Avatar. O filme tem um poder hipnótico sobre o espectador, razão pela qual muitos apontam como a Melhor adaptação da nona-arte para a sétima arte. É de fato uma produção contemplativa, com cenas que já se tornaram clássicas (A perseguição ainda melhor do que em Begins, com o Tumbler perseguindo o Coringa que caçava o camburão onde Harvey Dent era para ser transferido para a prisão, ou a explosão do hospital). Todos os elementos, inclusive a direção mais segura e ampla de Christopher Nolan, culminaram em um épico policial que novamente se propôs como tema central a culpa de um ser humano incapaz de lidar com um mal sem limites e sem porquê.
     Assim como a sua própria direção, o filme não é nada menor e sim maior e melhor do que seu antecessor em tudo, porém a essência continuou, com referências à Graphic novels como Vitória sombria e a seminal A piada mortal, escrita pelo gênio Alan Moore. Em O cavaleiro das trevas a pretensão foi outra: Provar que existe liberdade no trabalho com personagens que o público tem relações prévias, reinventando fórmulas e paradigmas em outros cenários, sob outras circunstâncias, em prol de um subgênero ser reconhecido como gênero, e à modernidade de um mundo criado em 1940. Ao final da exibição, todos se perguntaram: Como superar, com bom senso, algo tão audacioso assim?

“Eu não quero matar você! Porque eu faria isso? Para voltar a roubar criminosos e traficantes, não, não, não: Você me completa!” – Coringa.

"Quando Gotham estiver em cinzas, terá minha permissão de morrer." - Bane
BATMAN – O CAVALEIRO DAS TREVAS RESSURGE – A progressão do hype de 2008 foi esperada por anos, com expectativas altíssimas. Algumas foram subvertidas, outras honradas, pois o público não iria aceitar algo inferior, quiçá tão bom quanto. No desfecho de uma saga que Christopher Nolan fez questão de esclarecer repetidamente não estar mais envolvido, chegamos nós ao ponto mais alto, na obra em que as ideologias de tudo o que habita e cerca Gotham City são mais bem colocadas em prática em um mundo já estabelecido 100% em torno da moral e da imoralidade. Batman Begins seria motivo de piada se colocada ao lado do terceiro exemplar da franquia, solidificada como a base para tudo que pode ser relacionado a essa história. O terrorismo e a anarquia dos filmes anteriores se juntam e resultam no socialismo, enquanto o filme tenta conter seus exageros e artimanhas de arrebatar todos com suas emoções terminais, baseadas em peso na Graphic Novel O cavaleiro das trevas, de Frank Miller, a melhor história já escrita (Em qualquer mídia) do legado imortal de Bob Kane. A estética do filme de 2012 é absurdamente realista, mas graças ao domínio da direção tudo se equilibra, até mesmo os aspectos mitológicos primordiais.
     A trilogia só evoluiu, auto-sustentável como uma história fechada, e quase tão completa quando poderia ser e foi apologética – no bom sentido. Pelo caminho, Batman mudou três vezes de uniforme, encarou desde o próprio mentor até quem voltou do anonimato para realizar os desejos dele, e deixou intacta sua marca no céu poluído de Gotham e nos corações dos fãs que bateram palmas ao término da estreia de O cavaleiro das trevas ressurge, e do recomeço de uma gloriosa carreira para o diretor de Doodlebug, pois foi lá que tudo começou.

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