segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Crítica: Dogville (Dogville, 2003)

De Trier somente assisti Dogville. Então todas as impressões sobre o diretor se basearão no apreendido em tal obra. Parece-me ser Trier um especialista em desconstruir gêneros e estilos, um grande artífice sempre disposto a buscar novas formas de linguagens, aberto as experiências com o fim de revigorar o cinema. Nesse filme a experiência consiste em colocar sobre um chão nu e negro marcas de giz que expressarão no solo contornos de casas e alguns animais, bem como ruas, cartazes, escritos, etc, como fazem as crianças que brincam de amarelinha.

Todas as filmagens ocorreram em um hangar em míseras (dizem) 6 semanas de filmagens. Cenários e locais de filmagens a parte, a história se situa nos anos da depressão americana nas Montanhas Rochosas. A vida é dura, o dinheiro raro, o futuro incerto. A visão de um europeu sobre uns pais que não conhece pessoalmente. De todo jeito antes que o critiquem necessário se faz ver que certos eventos se repetem em todos os locais do orbe, ainda que sobre cenários e costumes distintos. 
Trier opta por criar um distanciamento: Um cinema ambicioso que se vale de técnicas literárias e teatrais. As primeiras tomadas servem para que esqueçamos um pouco o dispositivo teatral escolhido pelo cineasta. E tal recurso é minimizado pela opção de se valer da câmera nos ombros. Temos também um mise em scène e atores competentes em construções brilhantes que realizam sim cinema – não teatro filmado como acusam alguns. Após nos acostumarmos com as opções do diretor mergulhamos na alma sombria daquela cidade e esquecemos a ausência do cenário mais elaborado. Em que consiste o espetáculo que vemos na tela? Em minha visão dois são os caminhos que podemos percorrer (ainda que ambos possam se jungir em certos momentos):
1 - Grace (Nicole em sua mais bela e competente atuação nas telas) sempre requisitada pelos seus perseguidores e constrangida a se tornar mais submissa e vulnerável, submetida ao sadismo e a bestialidade dos habitantes da cidade, sendo esses espreitados pela miséria, talvez o fator que os motive em fazer de Grace o bode expiatório de suas frustrações?
2 - Apenas uma fábula sobre a face negra dos instintos e apetites humanos?
O que faz com que recaia minha opção pela alternativa primeira (ainda que não descartemos por completo a segunda opção como já disse) é o fato de num determinado momento o autor inserir na tela uma sucessão de imagens mostrando a pobreza nos Estados Unidos do início do século passado aos nossos dias embalada pela canção de David Bowie Young Americans.
 
A maldade que destila dos habitantes de Dogville conduzem a tais catástrofes que tudo soa por demais ridículo, ridículo no sentido de não crível, mas infelizmente real. É isso que torna o dito pelo narrador algo ácido e irônico. 
É como se numa reunião de cúpula entre Governantes, um do terceiro mundo se virasse para o representante americano e o olhasse de soslaio quando esse criticasse as condições de seu país e lhe dissesse: “Cuide de teu quintal e depois venha querer arrumar o meu”. 
O dispositivo utilizado pelo diretor pode soar a primeira vista repugnante. Valendo-se de um cenário despojado e minimalista, um estúdio inusitado e pobre, um solo frio sobre o qual são traçados contornos de bancos, ruas, avenidas, animais, minas, sem a existência de um exterior real ele ousou trazer para ali todas as chagas negadas pelas autoridades e o próprio cinema americano (há exceções). Uma estranha chega, apresenta-se com um nome não pomposo, em forma de uma entidade ou símbolo, mais do que uma identidade.

Chega do lado obscuro, daquilo que as câmeras não podem alcançar e será o elemento que irá nos desvendar toda a paranóia do lugar (dirão alguns da mente do diretor) e seu medo em relação ao estrangeiro. Ela desde sua apresentação se coloca em uma posição de vulnerabilidade, querendo se proteger, se esconder daqueles que a perseguem. Ela esta refugiada naquele local por algum motivo obscuro, da qual não podemos avaliar a dimensão e a gravidade. Desconhecemos a personagem. Não sabemos sua idade, nem suas predileções, nem seu passado e suas aspirações.

Trier soube muito bem escolher sua atriz. Foi de uma felicidade impar. Nicole Kidman se casou perfeitamente ao papel. Um rosto belo e liso que o tempo parecia não ameaçar, um olhar claro, ambíguo e límpido, cheio de ambiguidades, além de seus belos olhos azuis. Constrasta maravilhosamente com sua linda cabelereira, dando-nos a impressão que um ser angélico adentrara naquele ambiente. Seu personagem aceita todas as funções que lhe vão ser designadas e posteriormente todas as torturas. É ela que irá despertar o que de mais podre jaz adormecido em cada habitante da vila. 

Para aqueles que acreditam que o diretor seja afeito a qualquer tipo de visão religiosa é necessário prestar uma atenção maior a sequência final. Nela Grace tem a possibilidade de descarregar contra o lugar todo o sadismo que a alimentou o povo do local. Para aqueles que permaneceram atentos ao texto, fácil será perceber a referência ao Gênesis. Também Sodoma fora destruida, logo após a certeza da não existência de um número considerável de seres dignos. Grace seria como os anjos que vieram apenas ratificar a certeza daquilo que já fora decidido antes. E em minha opinião Trier de forma exagerada (mas também genial) dá o seu veredito sobre um país que se julga a polícia do mundo, mas é incapaz de enxergar dentro de si. Trier demonstra seu enorme talento e sua capacidade de manipular de forma racional o expectador, mesmo o americano, de forma que ele não veja ai seu próprio umbigo. Um filme interessante que não deixa tamém de ter um caráter universal sobre a condição humana.



Nota: 7,5


Crítica de Conde Fouá Anderaos.

2 comentários:

Anônimo disse...

Achei um tanto truncado mas ele viu coisas que eu não vi.

Anônimo disse...

Mais do que um filme...