Ao contrário do que muitos pensam, o Oscar não é somente uma premiação de uma única noite, onde estrelas do mais alto escalão de Hollywood exibem seus trajes no luxuoso tapete vermelho do Kodak Theatre. A Academia de Artes e Ciências de Hollywood, responsável pela organização dos chamados “Academy Awards”, promove ano a ano uma verdadeira competição pelo Oscar principal. São meses de preparação, disputa e muita jogatina escondida para que o grande vencedor seja coroado na frente de mais de 1 bilhão de espectadores de todo o mundo.
Como em todos os anos, diversas premiações divulgaram suas listas dos melhores filmes do ano que passou, até que aqueles que mais estiveram presentes nelas acabaram por tornar-se os favoritos às indicações do Oscar. Há pouco mais de um mês, a Academia anunciou a lista de nomeados nas 24 categorias da 83ª edição deste que é considerado o prêmio mais relevante da indústria cinematográfica. Desde então, travou-se uma disputa acirradíssima pelo troféu de Melhor Filme. Pra quê? A cerimônia, apresentada da noite do último domingo pela dupla de jovens atores Anne Hathaway e James Franco, foi uma das mais previsíveis dos últimos anos. São tantos prêmios que servem como parâmetro para medir os indicados e vencedores do Oscar que já não fica difícil prever quais os concorrentes que levarão o tão cobiçado prêmio pra casa, desde o Globo de Ouro, conhecido prêmio que deixou de ser ante-sala para o Oscar há muito tempo, até todos os prêmios dos sindicatos norte-americanos. É quase sempre possível assistir à cerimônia dos Academy Awards já tendo em vista o grande vencedor. Este ano não foi diferente, embora o percurso para a conquista do grand prix tenha sido um tanto quanto atípico.
A Rede Social, aclamado pelo público e crítica como uma obra-prima moderna e com potencial de clássico, vinha levando todos os prêmios que via pela frente desde dezembro. Assim como seu diretor David Fincher (de Clube da Luta e O Curioso Caso de Benjamin Button), o filme já era considerado o grande favorito a conquistar as principais categorias do Oscar 2011, até mesmo antes dos indicados serem anunciados. “The Social Network” recebeu 8 indicações, incluindo as principais Filme, Direção, Ator (para o jovem e excelente Jesse Eisenberg, que interpreta o criador do Facebook, Mark Zuckerberg), Roteiro Adaptado, Mixagem de Som, Fotografia, Montagem e Trilha Sonora. Pode-se dizer que recebeu destaque naquilo que merecia e, só dando uma olhada nas indicações, já era possível prever que tratava-se de um filme com perfil de vencedor do Oscar. Mas não segundo Harvey Weinstein.
Conhecido mundialmente pela produção de grandes vitoriosos do Oscar e também dos melhores filmes de Quentin Tarantino, o produtor norte-americano Harvey Weinstein passou por um longo período de ostracismo no Oscar. Ainda que presente muitas vezes como produtor executivo de produções bem sucedidas como a trilogia O Senhor dos Anéis, Chicago, O Aviador, O Leitor e Bastardos Inglórios, Weinstein demorou mais de uma década para voltar a figurar entre os grandes e poderosos nomes do Oscar. A última vez que esteve realmente em destaque foi em 1999, quando, sabe-se lá de que forma, conseguiu dar o Oscar de Melhor Filme a Shakespeare Apaixonado, ignorando os evidentes filmes de guerra, O Resgate do Soldado Ryan e Além da Linha Vermelha. Weinstein voltou em 2011, mais uma vez como produtor executivo daquele que viria a ser o grande nome da noite dos Academy Awards. O Discurso do Rei, do diretor britânico Tom Hooper, arrematou 12 indicações, todas muitíssimo bem justificadas pela excelência técnica e pelas ótimas intepretações dos três principais atores do elenco. Pode-se afirmar que “The King's Speech”, ao contrário de “A Rede Social”, é um filme feito na medida para ganhar prêmios. Você deve conhecer outros exemplares do gênero, como Uma Mente Brilhante, Gladiador, Cold Mountain, O Aviador, Memórias de uma Gueixa, Titanic e tantos outros que vimos por aí. Nem todos levaram o Oscar pra casa, é verdade, mas cada um deles carrega em seu enredo um mesmo perfil: filme de época, com design apurado, preferência por atores de alto escalão (muitos deles com o típico charme inglês que, bem, somente os ingleses possuem), com uma história ingênua e “mamão com açúcar” e com pitadas de humor fino que não fazem mal a ninguém. É a típica marca “Weinstein”. “O Discurso do Rei”, assim como “Shakespeare Apaixonado”, tem todas essas características. Somando-as ao número total de indicações e todo o lobby existente por baixo dos panos na Academia, qual o resultado final? O Oscar de Melhor Filme. E não foi exatamente isso que se sucedeu?
Embora “A Rede Social” tenha conquistado a maior parte dos prêmios que disputou, a derrota nos sindicatos representou a ameaça de perder o Oscar principal e seus derivados. Como forma de procurar justificar-se, os sindicatos americanos premiaram “O Discurso do Rei” e o colocaram logo acima como o franco favorito ao prêmio mais importante da noite, uma reviravolta que aconteceu nos últimos instantes da corrida pelo Oscar.
A intenção desse texto, como deve ser reparado, jamais foi fazer uma análise da cerimônia do Oscar 2011 em si, mas da forma como é visto o prêmio principal e de como a Academia de Hollywood não consegue fugir da previsibilidade de seus desencadeamentos. A 83ª edição do Oscar, ainda que bastante diferente das anteriores, com dois apresentadores jovens e bastante conhecidos por trabalhos no cinema e um formato mais informal, ficará marcada como uma das cerimônias mais previsíveis e enfadonhas de todos os tempos. Steven Spielberg, prestes a anunciar a vitória de “O Discurso do Rei” em Melhor Filme, disse que os derrotados da categoria se juntariam ao time formado por Cidadão Kane, A Felicidade Não se Compra, Crepúsculo dos Deuses, Apocalypse Now e Touro Indomável. Ora, quem tem potencial de clássico aqui é “A Rede Social”, o qual vem sendo chamado de “Cidadão Kane do século XXI”. E quem venceu o Oscar? O drama biográfico mamão com açúcar de um diretor que quase ninguém tinha ouvido falar e que levou quatro das doze estatuetas que disputava pra casa. Enquanto produções de luxo, de grande apuro técnico e alcance intelectual são ignoradas, como A Origem, que acabou por levar também quatro prêmios, e Cisne Negro, que deu o Oscar de Melhor Atriz para a lindíssima e gravidíssima Natalie Portman, venceu uma produção bonita, que não deixa de ser interessante, mas que não representa nada além do que apenas um bom filme. Com beleza técnica e atuação primorosa do seu protagonista Colin Firth, “O Discurso do Rei” é um filme fadado a cair no esquecimento, enquanto seus concorrentes, assim como “Cidadão Kane”, “Crepúsculo dos Deuses” e “Apocalypse Now”, por exemplo, continuarão na memória daqueles que o assistem por muito tempo.
Texto de Vinicius de Vita (@viniciusdevita), colaborador do blog.
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